A uma Prima que ainda mora em Caxias

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Oi Felina, bom dia!

Quererei, sim, ler o livro do Dr Benjamim, o teu psiquiatra.

Nao vejo a hora de voltar.
Com as passagens de avião mais altas do que um octogenário aposentado pode voar, vou ter que esperar ainda um bom tempo para ver quando vou poder voar.
Mas vamos voltar, sim.

Eurídice ainda segue na luta pela saúde e eu com ela aqui sobrevivendo nós juntos no espaço mínimo, mínimo mesmo, quanto o salário, espaço mínimo, mas alto porque de um 11o. andar num pé de ladeira do Paraíso,
sim, Paraíso é o nome do bairro.

Na terra do já teve, teve um lugar com esse nome aí também.
(Virou charada entre herdeiros, charada triste e suja como são pela aí as verdades sobre merdeiros e nem é bom falar.)

Desta janela ou escotilha decolo o olhar sobre a selva de pedra acinzentada de tão poluídos edifícios, sobrevoo o parque, o enorme monumento à arrogância e ao individualismo políticos, o “deixa comigo”, “deixa que eu empurro”, a assembleia dos homens e das mulheres legislativas, o quartel militar decisivo no golpe que derrubou o Jango e o que aquele tempo ainda exalava de democracia, contemplo o verde e a lagoa e até me animo a descer para subir a ladeira e me enxerir no chafurdo de todo domingo na avenida ali em cima.

Falei há pouco, via WhatsApp, com Edson Filho, que vive em Teresina.
Camila está indo com Neto de carro novo pela estrada que sai de Brasília, passa por Floriano, querendo chegar a Caxias, a tempo para os fulejos da virada para o Ano Novo.

E eu aqui com Eurídice nestas alturas, ar fresco, mas impuro e quase nenhum espaço, em treinamento para morarmos no infinito de uma cápsula de alguma estação espacial especial.

Preferiria ainda hoje a estação do trem da estrada de ferro S. Luís – Teresina.
Era de ferro, sim. Toda de ferro e passava perto do rio no porto da Galiana.

Na ida e na volta do tempo o trem parava em Caxias. Tinham uns garotos que ofereciam água e comida aos passageiros das janelas. (“Olha a água fria, olha a boia, olha a boia!). E eu n’algumas vezes era um deles.

O trem era de ferro, a estrada era de ferro, os postes que vieram da Inglaterra e eram de ferro – acabaram com tudo, menina.

Os cegos do falso testamento, do falso progresso, encegueirados pelo dinheiro do lucro fácil, que saem acabando com tudo, enfiando na cólera do olhar e na fome do bolso tudo o que serve aos outros, destruíram as paisagens correntes, a poesia dos inconscientes, comeram tudo, a estrada de ferro e o trem de ferro.

Largaram os ferroviários e suas famílias ao léo dos gatos pardos invisíveis, daqueles enormes, súditos selvagens dos desertos, imigrantes do nada.

Comeram tudo com a crueldade das dentadas incisivas – o trem de ferro, a estrada em seus trilhos de ferro e palitaram os dentes com os postes de ferro.

Restou a casa da estação que não é de ferro. De ferro só a indignação dos meninos que alcançaram a alfabetização e cresceram dignos da vida que os leva indignados pelo mundo e com isso tudo aí.

Abraça por mim o Wibson, nosso poeta e portal do nosso afeto.

Boas Festas! Feliz Ano Novo! Saúde e Paz!

Eurídice e Edson

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