As últimas eleições para a escolha do Presidente da República foram marcadas por uma acentuada polaridade ideológica-partidária, a superficialidade das propostas políticas e os questionamentos da população quanto a integridade do processo eleitoral. Esses elementos contribuíram fortemente para os índices de abstenções e votos nulos apurados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Segundo dados disponibilizados pelo órgão, no primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, cerca de 20,3% do eleitorado apto não compareceu às urnas para votar (aproximadamente 30 milhões de brasileiros). Em números gerais, é a maior quantidade de faltosos desde o pleito de 1998. Por outro lado, no segundo turno das mesmas eleições, em que disputavam Jair Messias Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), a taxa de votos nulos também alcançou a sua maior marca desde a redemocratização do país. Um total de 7,43% dos eleitores presentes nos locais de votação anulou seu voto, ou seja, não escolheram nenhum dos candidatos.
Em decorrência da onda abstencionista e de anulação de votos percebida na eleição de 2018 reapareceu entre acadêmicos e congressistas o debate sobre a possiblidade de adoção do voto facultativo e dos seus eventuais benefícios para a consolidação da democracia no país. No entanto, de acordo com o art. 14, § 1 da Constituição da República o voto é obrigatório para os maiores de dezoito anos e facultativo para analfabetos, maiores de setenta e maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
Além disso, o Código Eleitoral estabelece no art. 7º que o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral sofrerá pena de multa, e caso não realize o pagamento poderá sofrer sanções mais graves como a proibição de inscrever-se em concurso público, obter passaporte ou carteira de identidade. Se por um lado a legislação pátria determina o exercício do voto pelos brasileiros, por outro existem inúmeros adeptos do movimento para a mudança constitucional em prol do voto opcional.
Seja dito de passagem que é plenamente possível haver a alteração constitucional para afastar a compulsoriedade do voto, tornando-o facultativo para todos. O processo legislativo para a modificação é através de apresentação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Atualmente existem mais de 50 propostas no Congresso Nacional com a finalidade de extinguir a obrigatoriedade deste instrumento de participação política.
Aqueles que defendem a permanência do voto obrigatório no Brasil entendem que a abolição tal qual como está estabelecido hodiernamente prejudicaria profundamente o exercício pleno da cidadania e da participação popular. Os argumentos pró-obrigatoriedade são: (1) o voto é um dever cívico; (2) a maioria da população participa do processo político-eleitoral da nação; (3) o estágio democrático brasileiro ainda não permite a mudança para o voto facultativo.
A imposição do voto garantiria uma maior mobilização cívica dos vários segmentos da sociedade, uma vez que os teria a participação maciça dos eleitores, inclusive servindo como forma de inclusão dos grupos minoritários no tocante a escolha dos representantes que melhor atendam às suas demandas. Sem falar que o pleito no qual a maioria do eleitorado comparece é de legitimidade indiscutível e a escolha dos representantes tem de ser reconhecida porque decorre de um processo deliberativo, amplo e igual.
De outro modo, os adeptos da mudança para o voto facultativo alegam que por ser um direito não é aceitável haver qualquer tipo de imposição para o seu exercício, tendo em vista principalmente que no ordenamento jurídico não existe hipótese que o titular de um direito seja constrangido a exercê-lo. Os argumentos pró-facultatividade são: (1) o voto obrigatório contrária o direito de liberdade; (2) o voto facultativo é adotado pela maioria dos países democráticos; (3) o voto facultativo tornaria o eleitorado mais consciente e motivado.
Diferentemente da idealização, o fato é que grande parte dos eleitores vota contra sua vontade, somente com o intuito de evitar as sanções da legislação, praticando uma ação dissimulada e nada espontânea. Exatamente por isso o voto opcional converteria-se num instrumento verdadeiramente eficaz no desempenho dos direitos e deveres de cidadão, visto que sozinho já fomentaria naturalmente o interesse e o desejo do indivíduo de participar do processo político-eleitoral da nação.
Seja como for, e apesar das contestações envolvendo o tema, o voto continuará sendo o mais importante e poderoso instrumento de participação popular do Estado Democrático de Direito, correspondendo à forma pela qual o povo exerce a soberania e se aproxima da gerência, mesmo que indiretamente, da res pública (coisa pública).