POESIA MINIMALISTA DE VAL MELLO

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Por Rivane Oliveira*

Autora: Val Mello
Editora: Ventura
Páginas: 105
Gênero: Poemas
Ano: 2023

“A síntese do grito”, da escritora Val Mello, é um livro com aforismos que apresenta reflexões filosóficas. Com grande propriedade, a autora faz uma junção entre Literatura e Filosofia de forma criativa, isso porque os poemas são sintetizados de tal maneira que podem ser lidos em segundos, já que utiliza o minimalismo poético, no entanto promove ao leitor uma vasta reflexão que só é possível ser feita por meio do contato com a produção.

Ao ler a obra, podemos constatar o que Laura Esteves afirma, logo na orelha do livro, que “as sentenças filosóficas e poéticas da autora nos levam a refletir sobre a humanidade, o cotidiano e a nossa trajetória de vida”, como em “Som”, p.16, “De todos os ruídos em mim, / meu silêncio é o que grita mais alto.”. Ou ainda em “Loteria”, p.84, “Tenho a sorte de ser tão sertão…”, ao se mostrar e se sentir plena em uma riqueza jamais subtraída. É perceptível o que Lili Balonecker aponta, logo no prefácio, ao caracterizar os versos como “sabedorias emolduradas na eloquência da sucintez”, e afirma ainda “que é preciso ir além das obviedades, ultrapassar limites impostos e realizar lindos voos por meio da criação.”

Adentramos, agora, em uma breve análise de alguns trechos do referido livro. Nele, é comprovada a apreciação das características literárias mencionadas acima, conforme o leitor perceberá ao longo da leitura. A autora utiliza recursos, como é o caso de algumas figuras de linguagens, por exemplo, a personificação presente em “(…) o travesseiro fala, enquanto a madrugada / domina cada lembrança.”, p.21, e a metáfora em “Saudade é mesmo despertador”, p. 48, ou ainda jogos de palavras, como em “Superação”, p.27, “Lia leu a lei. / Largou o Leo, / que a mantivera ao léu.”, em “Ressaca”, p. 47, “Ontem tudo eram planos quentes, / hoje são panos frios / e lençóis vazios.”, e em “P{R}O{F}E{T}AS”, p. 29, “Nos profetas, / além da fé, / moram os poetas.”

Entre as diversas sensações que o livro proporciona, a escritora expõe os gritos que milhares de nós guardamos em cada instante de nossas vidas. Dizer muito em poucas palavras torna-se ainda mais possível por meio dos versos de Val Mello. Em nota, a autora recorre ao termo “verborragia” ao fazer uma crítica sobre os tempos efêmeros da sociedade contemporânea, é notória, portanto, uma obrigatoriedade do mundo tecnológico que nos impõe saber muito em menos tempo. Outra observação possível de ser feita está em “Consoantes”, p.15, em que é contemplada a geração atual: “Sinto-me leiga na pós-geração Z, / no resumo de uma linha, / consoantes e carinhas / ditam o relatório.”, há, dessa forma, um choque de gerações representado pela forma como utilizamos a escrita e transmitimos a comunicação.

Assim, a palavra minimalista ganha espaço e a poesia se utiliza dela para expressar suscintamente uma mudança no pensar. Em “Borboletas”, p. 100, nos deparamos com o trocadilho: “Descobri a liberdade / de viver em meu casulo.”. Já em “Metamorfose”, p.28, tem-se um convite para o desbravar do eu poético:

A multidão que habita em mim
te convida para o meu hoje.
Amanhã pode ser tarde,
Amanhã pode ser outra.

Outra reflexão a ser feita é que em tempos amargos e desesperançosos é comum não haver uma tensão e zelo para o encantamento que a poesia proporciona. Em “A síntese do grito”, há uma destreza ao mostrar a função do poema como válvula de escape para situações menos leves, como em “Atitude”, p. 22:

Poemizar a vida
é a forma mais sã de enlouquecer
e a maneira mais louca de se manter sã.

O fazer poético chama atenção nos versos em que há a valorização do poeta como em “Agricultor”, p. 39, “Se ler é alimento às almas, / o escritor deve ser terreno fértil.”, ou em “Balé”, p. 40, “O silêncio do mundo precisa / das canetas. / Escreva!”.

A obra direciona o leitor para um pensar mais analítico sobre muitas situações que eu, você e o outro vive, como em “Prece”, p. 69, “Que a ressaca de perder não resseque a vontade de tentar.”. Tudo isso une sensações dentro do minimalismo poético e visual e dentro também de uma construção imagética do texto, como observado em “Πr3i”, p.56:

QU3R0 NUM3R05
N45 M1NH45 L3TR45,
P4R4 C4LCUL4R 3 D35C0BR1R
0 V4L0R D3 UM4
0R4Ç40 1NT31R4.

Assim, não há como negar o profundo trabalho de Val Mello em seus versos notado pelo vocabulário bem trabalhado e que explora a semântica, dispondo de toda a intensidade, marca tão presente da autora em suas obras. Mais uma vez, comprava-se tal análise em “Estilo”, p. 42, no qual é ressaltado o acolhimento de si como o mais requintado estilo: “Não há moda mais perfeita / que aquela adquirida na grife da aceitação.”. Já em “Fases”, p.32, também deixa-se perceber o que foi mencionado, pois temos uma fuga por traz volubilidade humana:

Mudar é condição humana
para não enlouquecer,
nem pecado nem salvação,
só sobrevivência e fuga.

Em “Vácuo”, p. 100, encontramos outro recurso muito bem explorado: a metalinguagem. A autora usa a linguagem para explicar a si mesma quando diz: “A distância entre os homens não é/ espaço entre dois pontos, mas sim o / silêncio entre os espaços.”

Diante de uma observação encantada da obra, fica claro o belo trabalho de Val Mello, haja vista que a produção da autora vai além da síntese em seu sentido literal, pois que sintetiza apenas a palavra, mas alcança o mais profundo pensar em nós. A força da palavra reverbera de tal forma que a escritora declara a vantagem, por assim dizer, de fazer ir além o que sente não só o leitor, mas quem escreve também, como em “Declaração”, p. 64, “Exerço na citação o poder de atingir outrem / nem que seja o outro lado de mim.”. Portanto, que a síntese dos gritos de Val Mello atinja outros por meio de seus versos para que muitos soltem os gritos antes silenciados e que o nosso “eu multidão”, p. 12, seja encontrado em nossos tumultos. Que Val Mello continue gritando sua poesia.

*RIVANE MARIA OLIVEIRA SILVA é professora de Língua Portuguesa, revisora de textos e resenhista.

Sobre o autor
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